Feeds:
Posts
Comentários

Archive for the ‘Crônicas’ Category

Escolha o seu

“Contempla o mar”, alguém me sopra. Estaciona um pouquinho. Pára. Deixa o tempo lá fora. E dá? Tempo é que nem amor pra se esquecer. Que me desculpem os zens, mas quanto mais a gente finge que não liga, mais pensa nele. Olha aí: tempo…Uma amiga veio se despedir da mãe e quando estava no meio do vôo, a mãe falece…Dá um tempo! Foi isso que ele pediu, quando eu disse eu te amo ha tempos, a tempo do meu amor ouvir, mas ele não tem tempo pra armazenar…Tempo…A avó da fulaninha liga e ela nunca tem tempo pra ouvir…Tempo…O analista queria falar, mas tem que esperar o tempo dele saber que ainda ha tempo de mudar. Tempo… Reclama do tempo que falta e não agüenta quando pedem um tempo pra pensar… É isso! Que horas são? Não importa. Ainda há tempo. Sempre há pra quem enxerga a vida alem de dois ponteiros. Sempre bom ter tempo do que nunca tem prazo de validade: o lúdico, ouvir risada sem hora pra acabar, ingenuidade que tarda ,mas não falha, em mundo que todo mundo quer tomar o tempo do outro e nem sabe muito bem pra que, porque. Sem lenço e sem documento agente sai do mar, olha pro lado e pergunta as horas. Medo de atrasar, agonia de deixar o outro a esperar. Dez e quarenta e três, ele grita. O menino diz a hora, o minuto, o segundo. The game is over. Hora de deixar de ver o mar, pra que ninguém lhe deixe a ver navios. Hora de seguir para o batente. Por um minuto, o engarrafamento lhe dá o hábeas corpus pra lembrar do sonho. Se tivesse tempo, onde? O q? Com quem? Lembra do desejo. Será que ainda dá tempo de… Dá, se a gente souber o que quer dá. Nublado, aberto, apressado, traidor, honesto, carinhoso, fiel às memórias.  Escolha o seu. Abriu um sorriso e seguiu. Deu tempo.

Read Full Post »

Faz, depois escuta

Estava resfriada, mil remédios, mil dicas, acabou no limão da vovó. Isso ela tomava. Como sabia que tomar limão era batata? Saber ela não sabia, mas a avó falou, coisa boa deve ser.

Cada vez que ficava muito em dúvida, horas no quarto confabulando o melhor caminho indo do nada a lugar algum, a avó não titubeava: “ caminhe, minha filha, se tropeçar , levante, mas caminhe”. Saber ela não sabia, mas a avó falou, coisa boa deve ser.

Quando uma fofoca começava no trabalho e a avó pedia para ela não passar adiante, que podia sobrar pra ela, ela parava. Como sabia que seria o melhor caminho? Saber ela não sabia, mas a avó falou, coisa boa deve ser.

Nossa, alguém pensaria, que menina frágil. Tudo o que a avó quer, ela faz sem questionar…

Não é a toa, quando alguém quer dar um conselho bom, fala “conselho de vó”.

A menina não esperou dez pessoas tomarem o limão para tomar. A ordem foi seguida. Por detrás dessa ordem, tinha um vínculo.

Como o velho caseiro da família que diz ao sinhozinho, filho da madame “vai por mim, essa quantidade de tijolo é pouca”. E o sinhozinho nem titubeia em comprar mais. O sinhozinho sabe que o caseiro nunca que frequentou uma cadeira de engenharia civil, mas tinha um vínculo. Ele viu todas as casas daquele clan serem construídas.

Nossa, o que o velho caseiro e uma avó tem em comum?

A menina pensou em procurar confiança no dicionário. Abriu na página onde se lia “fé”. Antes de ler a definição, resolveu perguntar ao pai o que era “fé” . Ele respondeu de um jeito judaico, usando a lei de Moisés, uma resposta que se preservou em cinco mil , setecentos e poucos anos: Fé é “fazer, depois escutar”. O pai falou, coisa boa deve ser. Largou o dicionário no canto.

Read Full Post »

Em 9 de maio de 2008, para Marcelo Nigri

Ando acostumada de ver gente que escorre música pelas veias, juntar sua patota e bolar solos de cada instrumento para dar barulhinho bom nos nossos tímpanos. São as jam sessions. A gente sai de lá achando que os caras são uns doidos, que fazem aquilo do nada. Vem um vento bom, dá coceira nos dedos e eles saem soprando naquele instante uma coisa nova que a gente não sabe muito bem de onde veio. Reconhece uma semelhança com algum clássico, mas é diferente, é muito deles. Vamos ao dicionário e veremos que isso parece com algo denominado improviso.

Um dia tirei a limpo com um desses improvisadores como ele fazia aquilo. Ele me disse que são anos de não improvisação. Anos de não doideira. Anos de estudo na linha reta. Quem permite que o dedo faça malabarismos tem intimidade o suficiente com cada pedaço da corda onde ele vai se equilibrar.

Foi o que senti com o Iluminuras. Vi o melhor de pessoas que me emocionaram na sua intensidade. O balé dos dedos a que me referi nas improvisações jazzísticas foi trocado pela sinfonia corporal composta de improvisos. De movimentos feitos.

Todo dia alguém nos pergunta se aquele filme vale a pena ou não, se aquele show vale a pena ou não, se aquela exposição vale a pena ou não. Então vou me atrever a dizer, no meu português arroz-feijão: bom é aquilo que me faz sair diferente de quando entrei. Se saio na minha matemática afetiva a mesma, digo “não”. Boa é a arte que deixa a gente tagarela no olho. Um olho que quer ser cada vez mais modificado, um olho que nota que, por baixo de um improviso de movimentos de cabeça, tronco e membros, há pesquisa e trabalho de anos por debaixo do pano. Há afeto na escolha da música, na escolha dos elementos que vão brincar em cena. Dos corpos e da tentativa de tradução de seus encontros e desencontros no namoro com outra arte: a pintura. Bom ver a ginga da dança contemporânea traduzida naquele exato momento pelas mãos de um pintor, que brinca de improvisar o que sente daquela batucada corporal. Não sou crítica, mas apenas um ser humano que diz, com os pêlos dos braços levantados, “nossa”, quando arte boa vem me namorar.

Iluminuras não tinha roteiro e tocou o olhar do cineasta Ivy Goulart e vestiu roupa de filme. O que mostra que é impossível ficar passivo diante de gente em movimento. Iluminuras me fez arrepio no pêlo, porque lembrei dos meus olhos sempre de criança que vê a brincadeira no palco, o improviso. Esse improviso tão disfarçado de “foi tudo bolado na hora”. E a gente finge que acredita. Mas sente lá dentro que nossos olhos se espantam pela dança de quem já ficou parado pensando o movimento.

Read Full Post »

Relógio afinado

Impossível confiar no relógio que vaga naquele pulso. Sempre chegando cinco minutos atrasada.

Impossível confiar no relógio que vaga naquele pulso. Mas tem hora que não queremos saber de relógio. Sem sombra de dúvida, são as mais importantes. Quando se está no lugar certo, a hora é sempre certa.

Lugar certo? Seria de bom alvitre que o cara lá de cima enviasse, por obséquio, um roteiro dos lugares certos sempre pela manhã, com o jornal, debaixo da porta. O meu roteiro pode vir impresso em folha simples. Não quero dar trabalho.

Recebi uma mensagem do celular do além avisando da falta de papel. Mas o roteiro vai chegar por outro meio de transporte.

Chega , todo dia, via voz interna. Aquele cochicho que todo mundo já percebe quando começa a respirar na vida. Ele sempre diz a mesma coisa: ouça o coração.

Ah, ta, então é mole. Só ouvir o meu coração. Mole, vírgula, a gente vai ficando surdo. Vai brincando de coral, ouvindo milhares de vozes e querendo virar maestro para rege-las sem desafinar. Para rege-las sem desapontar os primeiros maestros que conhecemos nesse mundo, chutem, um dois e…os pais, claro. E o coração não cansa de repetir: “Se você cantar bem a sua música, eles vão te aplaudir, mesmo que de início achem um pouco exótico ouvir aquele som.

Enquanto não sabemos de cor a nossa música, vamos brincando de Flicts , aquela cor do Ziraldo que sofre por não se aceitar cor, quando olha para as outras esse vê nada parecida. Vagamos inseguros se deveremos continuar a ensaiar nossa própria canção, se ouvimos os outros cantando coisa diferente.

Realmente, é mais fácil pegar carona no tom do outro, mas não tarda o dia em que a vida exigirá brevê para voar para um tom acima, e talvez sua voz não alcance o vôo da outra. Fica difícil querer se adaptar a cada coral que aparecer na próxima esquina. Ao invés de cairmos na armadilha do “tadinho de mim, sou incapaz”, deveríamos sair do cover e ensaiar direitinho nosso tom.

Algumas vozes vão timbrar com a nossa, outras, nem por um decreto. E tudo bem, ninguém é canalha porque não timbra com minha voz. Pode ser afinado ali, tem quarteirão pra tudo que é estrela brilhar.

É possível confiar no relógio que vaga aqui dentro. Esse nunca me deixa chegar atrasada.

Read Full Post »

Piada Judaica

Todo ano, quando chegam as festas judaicas, minha avó põe a célebre mão no peito e ao invés de cantar o hino nacional, começa:

– Não vou agüentar, meu dedo não melhorou, esse ano não vou agüentar ir pra cozinha.

– Perfeitamente, pensa a família, vamos encomendar a comida.

Vendo que seu marido segue a tradição familiar e já aproxima a mão do peito para a próxima cena dramática, a nora, pau pra toda obra, vai a cata do telefone do moço que apronta todos os jantares para a comunidade.

As vésperas de tomar todas as providências, recebe um telefonema da sogra, com uma voz de um resfriado que está só no começo, mas se alguém perguntar, ele vira uma pneumonia:

– Ninguém vai passar fome. A empregada de minha filha vai me ajudar a preparar o jantar.

Começa o jantar, vovó nem pensa em sentar e ai de quem entrar na cozinha. Passa o jantar todo falando que esse é o ultimo que faz, que dá muito trabalho e manda todo mundo sentar, ninguém levanta, a não ser, a moça que trabalha na casa da minha tia.

Como nenhum dos netos podia levantar-se antes do terceiro prato (judeu que não repete o prato três vezes, para a mãe judia, não gostou da comida), constatou-se que a vovó havia antecipado sua herança. A única que aprendeu todos os segredos da cozinha judaica foi a empregada da titia e o cachorro que não sai daquela cozinha.

Sábio é aquele que faz da neura humor ao invés de tumor.

Uma pequena homenagem às grandes matriarcas judias, material de inspiração de gênios como Woody Allen.

Read Full Post »

Todo mundo já deu ou pelo menos pensou em dar. Isso é fato. Definitivamente, isso não é letreiro de motel. O “dar” aqui é bem outro. Em pleno dia das mães quem ganhou o presente fui eu: a filha da mae. Dessa mãe que eu divido com vocês.

Eu, que sempre vou na contramão, vi minha própria mãe, em pleno dia das mães, trocando as bolas. Quem deveria dar era eu e, pasmem, recebi o presente. Minha mãe me cutucou para voltar a tomar um remédio que o médico disse que eu terei que tomar a vida inteira. Teimosa, numa nuance melancolica, inventei de suspendê-lo por conta própria. Minha doença é crônica e eu preciso tomar palavra todo dia. Sabendo disso, ela me deu de presente essa ordem, quando disse ” vai, Carlos, digo, vai, Gisela, vai tomar palavra”.

Mãe, se eu pudesse recomecar o dia e trocar meu silêncio, meu segundo dia de TPM, meu vazio, minha vontade de não dar um pio por um “eu te amo”… se eu pudesse não, se eu puder simplesmente falar que você, em pleno dia das mães, deu um presente a sua própria filha, quando a avistou orfã de si, depois que
me enfiei numa melancolia e parei há três semanas de comer do doce de palavras… mãe, se eu ainda puder dizer que você me salvou de mim, quando linda, sensivel, me cutucou para voltar a escrever, insinuando que eu fizesse um texto de aniversario para a tia que eu amo…

Três semanas pra mim sem meu remedio é muito. Estava me sentindo morta por dentro, com vontade de sorrir e nao conseguindo. Fugindo do mundo sem perceber que louco nao sai de casa sem o remedinho tomado. So sei me ler no mundo pela minha escrita. É com ela que levanto a cabeça. É por ela que saibo de mim e caibo nos dias.

Sem texto eu arrumo pretexto pra me sabotar. Com linhas aquecidas por silabas, eu digo minha verdade e me vejo bonita, maiúscula, dançarina cheia de ginga nas rodas da vida. Com palavra cavo meu caminho, faço meu hino, me protejo de qualquer lampejo de mal me quer. Só com texto bolado eu abro o olho do apetite e quero comer as horas com muita pitada de açúcar e afeto. Com a palavra eu consigo nao ter medo do mundo e ter vontade de acordar.

Feliz dia das mães atrasado e obrigada por me mostrar quem eu posso gostar de ver no espelho!

Read Full Post »

Venda não efetuada

Aquela senhora que há muito trajava vestimenta carregada em tons de erudição, disse-lhe “escuta aqui, filhota, você não me entendeu. Não é esse tipo de livro que estou procurando”.

Poderia colocar sapato velho e repetir o bordão: “ desculpe senhora, mas, infelizmente, não temos o livro que a senhora procura”.

Como nenhum dia se soletra como o outro, a empregada do estabelecimento, de súbito, rabisca fala nova e experimenta vestido inédito: “eu não entendo de tudo que vendo, mas posso entender um pouquinho, se a senhora falar sobre o assunto, quem sabe a senhora não me ajuda a ajudá-la?”

Tomada de surpresa, a renomada acadêmica pinça roupa do armário que acreditava ter doado, com tom discreto de humildade: “olha, minha filha, talvez você possa me ajudar, venha aqui aprender um pouquinho sobre o que estou procurando.”

E por lá desaguou água muito nova nos rumos daquelas mulheres. Toda visita à livraria, a moça assobiava antes de partir para o catálogo dos livros “a senhora anda bem de saúde?” Realmente, não consta nos grandes livros de técnicas de venda essa pergunta. Engraçado…

Em visita mais recente ao estabelecimento, pegou-se cometendo emoção diante daquela mulher que começara a esquecer a arrogância em casa. Aos livros remeteu olhar perdido: “preciso de uma acompanhante e não é pela minha artrose, preciso conversar com alguém, ando muito sozinha”.

A moça sentiu a garganta árida como quem reconhece hipótese de dar essa deixa daqui a uns bons trinta anos.

Sem questionar se poderia acrescentar fala inédita,a jovem não pestanejou: “a senhora está é muito viva. Tem muita gente sabendo muito pouco e querendo mais. Um mais que a senhora tem. Bom é o professor que entende que o mundo do conhecimento é mais viril se não flerta com a vaidade de manter-se em cárcere privado. O saber, quando passeia pelas ruas e visita outras pessoas faz de seu dono um homem feliz. Bole um ciclo de palestras. A senhora está muito é viva pra se fazer de morta antes do tempo e…”

Parece que outros clientes pediam ajuda no recinto. Não existia mais espaço para o final da peça.

O computador do estabelecimento só entendia um único desfecho: “nenhum movimento no caixa. Venda não efetuada”.

As duas se afastam, esquecem suas falas e numa fresta, no vidro, a garota avista um piscar de olhos de quem ouve em silêncio “muito obrigada, vou tentar”.

Read Full Post »

Amor de quem

Ele gostava, vou eu desconfiar, dizia gostar dela, ora essa. Gostava nada, que gostar é coisa de quem aprecia. E quem aprecia pode querer aquela vez e mudar o apetite amanhã. Carecia dela, é isso. E só é precisa coisa que não se pode viver sem notícia. Que nem pão. Experimenta tentar trocar o pão quente de todo dia pelas bolachas diet que doutor prescreveu. Segue quem conjuga a vida aguentada em lugar de vida vivida. Exemplinho mais lotado de furrequice. Coisa de autor que quer combinar amor com o pão nosso de cada dia. Roubar diálogo de padre é quase um pecado.

Tentativa número dois de começar um texto de amor. Ele dizia precisar dela, a musaque o fazia sofrer, aquela do Pessoa, o ser inalcançável, a todo minuto. Dizia. Mas quantos não dizem um tanto que daquele tanto tão pouco se guarda. Está certo, nomeava-se “remetente de cartas de amor”. Vou eu questionar. Do remetente não duvido assinatura, que não garante minha credulidade no nome grafado em “destinatário”. Que eu saiba conjuga-se o verbo amar como transitivo direto. Não que o sentimento se vista em caráter de quem muda de roupa a toda hora. Gramaticalmente quem ama , ama alguém. E será que esse alguém é sempre o outro quando se tece carta de amor?

Li as cartas, afinal sempre há um intermediário fazendo ponta numa história de amor, que protagonistas também precisam de vírgulas para aguentar o conflito. Ao lê-las mareei meus olhos nos pôsters da vida que o remetente tinha dentro do bolso da alma, nas letras, palavras, sílabas buriladas que catava dentro do peito após visitar buracos e achados, mazelas e confetes na memória. Terminei de passar a vista e deixei o texto com sabor de quem muito conhecia o remetente e de nada sabia da destinatária,se não que era o tal objeto do amor do fulano.

Que nome ganha o amor quando ele só me desenha o rosto de quem ama? Que calibre tem o tiro da amada se não deixara marcas dela por perto. No enredo só o nome da moça, no filme quem aparecia era o sujeito. O sujeito que descrevia com maestria como via o mundo, e mantinha o nome dela no refrão. Mas era só um refrão. Como o “iê, iê”, o “lá lá lá lá”, pra canção rimar. E quem disse que canção bonita tem que rimar. Canção tem que rumar. E ele rumava para tantos lugares, a imagem que fzia deles era poesia pura, em nenhum esteve com ela. Apenas lembrava dela nos lugares. Mas sentiu os lugares, viveu os lugares em par de um.

Ele cisma que precisa telefonar para a moça. Absurdo saber seu telefone de cor como sabe o poema de Garcia Lorca ou trechos da obra completa de Borges, que recita e teima em acabar gritando o nome dela. Mas ela é apenas um artifício de manter-se vivo para contar a alguém o que acha do mundo.

Ah, esqueci um detalhe fundamental: ele é escritor. Ela? Alguém realmente quer saber da moça? As cartas só revelam de que letras é composto seu nome. E eu nem tento o som, pois como irei pronunciar seu nome se dela nada conheço. Até para sentir ódio se faz importante o vestígio.  Ele é escritor e um escritor carece inventar alguém para contar quem ele é depois que engoliu o mundo com olhos de palavra. Como não pode remeter as cartas a todo mundo, inventa apelido para o ser humano. No caso o mundo acabava em “a”.

Terminei as cartas e me apaixonei… pelo remetente.

Read Full Post »

Projetos

As vésperas dos oitenta, um homem que sempre fez muita gente rir vai parar no hospital. O filho, também comediante de primeira, percebe que o que vai salvar aquele pai não é descanso, nem pílula, mas a arte.

“É isso! Vamos fazer uma peça juntos!”

Resolve que não pode morrer sem atuar com os três filhos no palco. Aquele pai começa a querer viver para ensaiar a peça. Começa a querer dormir para ter idéias no sonho. Começa a querer acordar para ver a nova solução que o filho deu ao enredo. Começa. Recomeça. Como faz todo mundo que se dá uma nova chance depois de um marasmo, de uma tristeza, de um vazio.

A peça “Lucio oitenta trinta” além de ser uma homenagem emocionada do ator Lucio Mauro Filho a seu pai, o grande comediante e ator Lucio Mauro, cai com muita poesia no colo de quem não está conseguindo mais se dar carinho, de quem endureceu, de quem não acha mais sentido em resolver as equações da vida.

Projetos…

Quando todo mundo se dopa para esquecer dos buracos, nunca uma solução do tempo do onça caiu tão bem: ao invés de pílulas, projetos. O homem desde que resolveu se chamar assim, tem seu projetinho, digo cartinha debaixo da manga.

Projetos… Projetos que tirem da gente um três por quatro no qual apareça carimbado: “nada consta, é só preguiça de criar. Cutuca lá a fera, mete esse bicho num projeto que tenha a ver com ele e vamos ver quanto tempo ele ainda agüenta jogando conversa fora com a tal da tristeza. O bumbum já está quadrado, alguém tira ele dali, por favor”.

E tem mais uma coisa: é impossível não ficar de quatro pelo brilho de quem se dedica à uma novidade que lhe dá tesão, pelo entusiasmo que é aquele alguém falando do seu projeto, cheio de pulsão, esquecendo a hora que passa em seu relógio de pulso. Até a gente corre o risco de se apaixonar por quem nos olha no espelho.

Ao invés de ombros, ofereça projetos.

Read Full Post »

Coração de acrílico

Li um conto do Drummond, chama “Coração segundo”, no qual o personagem não agüenta mais ficar sensível a cada situação que vê ou que ouve e ficar sofrendo por cada perda, por cada coisa que o abale. Resolve, portanto, substituir o coração velho de guerra por um segundo novinho em folha.

Como o cara lá de cima ainda não deixou a gente clonar aquele coração cheio de sentimento, ele teve que fazer um de acrílico mesmo. Acrílico que era justamente pra não sentir o que o outro sentia.

Surgia uma promessa de leveza no ar. E lá foi ele passando pelas ruas, vendo coisas que antes lhe chocavam, ouvindo outras que antes lhe mobilizavam e…nada. O sorriso continuava.

Até que um dia, as doenças físicas que antes lhe comovia nos outros, começaram a aparecer no moço. E os brinquedos que ele dava às crianças de posse de seu coração velho de guerra, começaram a ser recusados por elas.

Parece que essa tal promessa de leveza não supria os momentos de felicidade que os vínculos trazem. Coração velho pode estar capenga, mas vive dizendo que a gente tem que fazer vínculos pra viver melhor. Coração de acrílico é pra se bastar. E coração que não se envolve fica vazio de história pracontar, prato cheio pros bichinhos infectuosos se alojarem.

Agüentou não. Pediu de volta o antigo.

Read Full Post »

« Newer Posts - Older Posts »