Ele gostava, vou eu desconfiar, dizia gostar dela, ora essa. Gostava nada, que gostar é coisa de quem aprecia. E quem aprecia pode querer aquela vez e mudar o apetite amanhã. Carecia dela, é isso. E só é precisa coisa que não se pode viver sem notícia. Que nem pão. Experimenta tentar trocar o pão quente de todo dia pelas bolachas diet que doutor prescreveu. Segue quem conjuga a vida aguentada em lugar de vida vivida. Exemplinho mais lotado de furrequice. Coisa de autor que quer combinar amor com o pão nosso de cada dia. Roubar diálogo de padre é quase um pecado.
Tentativa número dois de começar um texto de amor. Ele dizia precisar dela, a musaque o fazia sofrer, aquela do Pessoa, o ser inalcançável, a todo minuto. Dizia. Mas quantos não dizem um tanto que daquele tanto tão pouco se guarda. Está certo, nomeava-se “remetente de cartas de amor”. Vou eu questionar. Do remetente não duvido assinatura, que não garante minha credulidade no nome grafado em “destinatário”. Que eu saiba conjuga-se o verbo amar como transitivo direto. Não que o sentimento se vista em caráter de quem muda de roupa a toda hora. Gramaticalmente quem ama , ama alguém. E será que esse alguém é sempre o outro quando se tece carta de amor?
Li as cartas, afinal sempre há um intermediário fazendo ponta numa história de amor, que protagonistas também precisam de vírgulas para aguentar o conflito. Ao lê-las mareei meus olhos nos pôsters da vida que o remetente tinha dentro do bolso da alma, nas letras, palavras, sílabas buriladas que catava dentro do peito após visitar buracos e achados, mazelas e confetes na memória. Terminei de passar a vista e deixei o texto com sabor de quem muito conhecia o remetente e de nada sabia da destinatária,se não que era o tal objeto do amor do fulano.
Que nome ganha o amor quando ele só me desenha o rosto de quem ama? Que calibre tem o tiro da amada se não deixara marcas dela por perto. No enredo só o nome da moça, no filme quem aparecia era o sujeito. O sujeito que descrevia com maestria como via o mundo, e mantinha o nome dela no refrão. Mas era só um refrão. Como o “iê, iê”, o “lá lá lá lá”, pra canção rimar. E quem disse que canção bonita tem que rimar. Canção tem que rumar. E ele rumava para tantos lugares, a imagem que fzia deles era poesia pura, em nenhum esteve com ela. Apenas lembrava dela nos lugares. Mas sentiu os lugares, viveu os lugares em par de um.
Ele cisma que precisa telefonar para a moça. Absurdo saber seu telefone de cor como sabe o poema de Garcia Lorca ou trechos da obra completa de Borges, que recita e teima em acabar gritando o nome dela. Mas ela é apenas um artifício de manter-se vivo para contar a alguém o que acha do mundo.
Ah, esqueci um detalhe fundamental: ele é escritor. Ela? Alguém realmente quer saber da moça? As cartas só revelam de que letras é composto seu nome. E eu nem tento o som, pois como irei pronunciar seu nome se dela nada conheço. Até para sentir ódio se faz importante o vestígio. Ele é escritor e um escritor carece inventar alguém para contar quem ele é depois que engoliu o mundo com olhos de palavra. Como não pode remeter as cartas a todo mundo, inventa apelido para o ser humano. No caso o mundo acabava em “a”.
Terminei as cartas e me apaixonei… pelo remetente.
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