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Archive for the ‘Crônicas’ Category

Diz quem está lá em cima que casamento é para sempre. Eu não sou louco de desafiar quem não conheço. Mas, Vinícius de Morais tentou um acordo com Deus, quando disse o célebre “Que não seja imortal posto que é chama mas que seja infinito enquanto dure…”. Sabia que poderia ter problemas com algumas manias da mulher amada.

Eu poderia dizer que os noivos são metades da mesma laranja e erguer um brinde como gostam de falar os casais no auge da paixão, quando fica um olhando para o outro o dia todo. Mas nem o autor de Pequeno Príncipe, Saint-Exupery conseguiu sustentar tamanha ingenuidade, quando disse: Amor não é olharem um para o outro. mas sim olharem ambos numa mesma direção. Então pode dar uma olhada pro lado, que ela finge não ver.

Calma, os russos podem ser piores, como diria Anton Chekov: Um homem e uma mulher se casam porque não sabem o que fazer com si mesmos.

E se você acha que ela vai ser assim pra sempre , ouça Marlon Brando, um veterano : Não importa com quem você se case, sempre acorda casado com outra pessoa.

Mas ainda assim eu sugiro que vocês se casem. Eu sugiro que vocês casem rápido, pois como diria Oscar Wilde: Sou contra os noivados muito prolongados. Dão tempo às pessoas para se conhecerem melhor, o que não me parece aconselhável antes do casamento.

Vocês tem que se casar, o meu presente de padrinho já foi comprado e o gerente disse que não aceita devoluções. Aliás, nem o pai dela está aceitando. Então eu sugiro que vocês casem.

Tentando um lado sério, posso falar que quando fui chamado para padrinho fiquei nervoso, afinal queria desejar minhas felicidades em forma de discurso , mas não queria a platéia dormindo em berço esplêndido. Como falar algo sério sem que as pessoas durmam? Talvez falando algo comum a todo mundo. Algo que possa acontecer na sua casa, na casa dele, dela, daquele, daquela, na minha.

Pensei nos meus pais. Eles comemoraram 32 anos de casado na quinta. E meus avós que já tem meio século nesse contrato. Nossa nunca assinei um contrato por tanto tempo. Fiquei pensando que o amor deve ser mesmo esse apesar de. Apesar de você querer assistir ao futebol bem na hora daquele programa de entrevista que eu adoro, eu ainda quero passar as férias com você e nossos filhos. Apesar do dinheiro não cobrir o que a gente se planejou, a gente vai junto pedir um empréstimo. Apesar de você deixar pra mim a hora da bronca dos filhos, eu ainda quero dividir meus netos contigo. Apesar da sua mãe querer ficar aqui mimando os garotos, é com ela que a gente conta quando resolvemos encarar uma segunda lua de mel. Ou vocês acham que os sogros não entram nessa brincadeira.

Quem casa não casa com uma pessoa, mas com a família toda. Mas é em família que a gente tira retrato pra guardar, por que ali agente tem sempre um cantinho, um papel que é só nosso. E não é a toa que meu pai e minha mãe ainda querem brincar de mestres de obra e irem construindo um futuro juntos.

Deve ser muito bom dividir um sonho, um projeto, uma realidade, fazer surgir um jardim afetivo cheio de semente que fala, que se relaciona. Poder ouvir um filho falar uma coisa igualzinho a gente falava quando moleque. E pensar: nossa, que bom que eu não sei explicar por que isso acontece, mas chorar de emoção por causa disso. Deve ser bacana ter uma pessoa ao lado na hora de enfrentar uma dor que não avisou que vinha. Aquela pessoa em quem você colocou uma aliança no dedo, vai estar ali fazendo valer o que prometeu um dia. E o abraço vem, o conselho vem, a força vem como quem diz eu ainda quero casar com você por hoje.

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Olho bom

O que sobra depois do pranto? Ninguém agüenta ficar chorando a vida toda depois de largado. Que chorar é bom, alivia, ninguém duvida. Mas é tão bom quando se descobre que a gente consegue ir além.

Além daquilo, além daquele, daquela. Só ir. Ir andando. Ao invés do trilho, sugiro escolher uma trilha sonora. Algo que dê bastante brilho no olho. Que o choro de dor nunca tira o fogo de quem nasce com brilho no olho. Que tem gente que racha , fica ao meio, mas quando avista um bom batuque, uma fala ótima de uma peça, um paço inesquecível de dança, um afeto lindo de um amigo, não resiste ao escancaramento do brilho no olho. E ai de quem estiver na frente.

A tristeza sempre pode esperar o olho que não quer deixar de contar pra gente o quanto ainda quer viver depois de sofrer.

Olho bom é aquele que veio à dor de passagem, por que faz parte. Mas veio mesmo foi pra se emocionar na vida.

Olho bom é aquele cara-de-pau que levanta todo mundo pra dançar junto, estando fulano com dívida, cycrano com azia e beltrano com dor de corno.

Olho bom é aquele que sabe o quanto custa uma entrega ao sofrimento. Que prefere pagar em Euro pra não perder a ternura e a poesia de olhar o mundo com gosto de bossa nova, um banquinho e um violão, um amor e uma canção pra fazer feliz a quem se ama. Mesmo que as vezes dance bolero ou caia na besteira do ego armar um tango.

Olho bom sabe que não pode ser budista, altruísta ou santo o tempo todo, mas não pode perder a inocência de ver um mundo melhor depois de catar os cacos da pupila despedaçada.

Olho bom é olho que vê um porém depois do desencanto.

Olho bom até manca, mas nunca deixa de batucar um samba.

Olho bom senta pra descansar do aperto no coração, mas só um pouquinho, depois pede pra lhe balançarem bem alto, pra alcançar o céu novamente e se perder nos encantos dos barulhinhos bons do amor. Porque olho bom só toma banho e troca de roupa, no máximo põe bandaid no pé cortado pra continuar a andar atrás do amor.

Olho bom respira, se acalma, até descansa pra próxima dança.

Olho bom engana que fecha, mas pisca. Que vale a pena sempre falar com olho que a gente continua a acreditar.

Olho bom não aceita limite da solidão. É olho que continua a buscar uma mão. Talvez uma mão nova, textura diferente, outras linhas contando novas histórias.

Olho bom não aceita sinal vermelho, faz que pára no amarelo pra poder seguir depois.

Olho bom até aceita final, mas que daqui a dois minutos comece um novo filme, com novos personagens, novas vidas, novos encontros, talvez novos prantos, mas sempre com olho bom.

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Daqui a um minuto

A vida cansa de chamá-la pra andar de montanha russa, mas como ela nunca soube o que iria acontecer daqui a um minuto, depois do carrinho fazer a descida, resolvia não subir.

O destino já tentou coloca-la num bate-papo nada virtual com o espelho, talvez Narciso achasse feio o que fosse espelho, mas como ela não sabia o que sentiria no próximo minuto, após olhar em seus olhos, passava adiante e aquilo virava apenas um pedaço de vidro no meio do caminho.

As sensações já quiseram que ela experimentasse o próprio prazer, mas como ela não sabia o que iria acontecer daqui a um minuto, quando se permitisse ficar nas mãos do outro, mudava o disco para o lado A, onde sabia todas as músicas de cor, bem como as formas de dar prazer ao outro.

A natureza lhe convidava para provar uma fruta desconhecida, um novo sabor, um novo aroma, com calma , como ela não sabia o que seu estômago poderia falar no próximo minuto, ao invés de degustar, engolia e tomava água para não correr o risco de não gostar.

O telefone lhe pedia para discar uns números conhecidos, mas como ela não sabia o que falar nem como pedir ajuda no próximo minuto, desligava.

O tempo lhe trouxe as décadas, os anos, as horas e os minutos que gostariam de ter função definida, ou pelo menos, um planejamento de marketing dos tais sonhos que habitam nossa caixola, mas como ela não sabia muito bem onde os sonhos acampavam, nem onde seu guia- o coração- lhes levaria daqui a um minuto, preferiu não traçar uma trilha.

O dia raiou, levantou-se em posição de alongamento de minhoca – arrastada – e foi escrever sem saber se o próximo minuto deixava. Um, dois, cinco, dez, sessenta minutos se passaram e, pasmem, nada de ruim lhe aconteceu e o minuto seguinte lhe abriu um sorriso. A imaginação parecia entender que as palavras lhe trariam o combustível que ela temia não receber no próximo minuto: ser realmente amada.

Seus pés conseguiram sair do lugar pelas mãos que seguravam a caneta: suas próprias mãos.

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Old Blue Eyes

Como não sou da geração do Sinatra, me permitam emocionar com outros olhos azuis.

Nesse caso, a personagem principal é a avó de uma amiga querida. Engraçado que o que me emocionou nos seus olhos azuis, foi justamente a hora que não a olhei nos olhos. Quando os azuis se transformaram em arco-íris e permitiram que aquela mulher que carregava uma reunião de memórias e histórias em suas pupilas, muito contidas por um silêncio, na mesa de jantar de sua neta, abriu-se ao mundo pelo toque de música em seu coração.

Quando o tio de minha amiga debruçou-se ao piano para de lá tirar melodias de belas composições que nos emocionaram em todas as gerações, a dona dos belos olhos voltou ao tempo em que o tempo pára. O tempo em que a gente não quer saber que horas são e só quer entender o tempo da música, o tempo da palpitada de cada verso, cada tom, cada memória que ela esculpir. Os olhos não eram mais azuis, porque se fechavam para sonhar. Por que a música faz a idade, a vergonha pegarem um lugar atrás na fila em que a felicidade já pegou a senha. Como disse um filme recente: um homem que ainda se deixa emocionar por música, é um homem bom.

Naquele momento, a vaidade dos belos olhos azuis puxaram a cadeira para um sorriso se sentar. Sentar que nada, ela ficou em pé, ao piano, embalando a cabeça, esquecendo a certidão de nascimento em casa.

Por um instante me veio a certeza que esqueceram de flagrar a tão temida Rainha Elizabeth no banho ouvindo música.

Naquele dia, a idade da avó era qualquer uma. E foi assim que saiu a minha fotografia. Menos azul nos olhos, mais brilho na alma.

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Lágrimas em comum

Pelo título eu não seguiria. Pouco comercial. Tudo bem que eu não daria muita conversa a alguém que esbarra em mim e me fala de lágrimas… ah é, e por acaso você confiaria numa pessoa que mal te conhece e te promete mundos e fundos, como fazem aqueles galãs nas propagandas de condomínio da Barra da Tijuca.

Mal acordei e ela não me sai da cabeça. Ela meio eu, meio você, meio todo mundo que um dia, e o outro também, passa correndo por uma média de dez pessoas com quem já teve um vínculo e só consegue acenar um tchau, como fazem os candidatos a prefeito. Entre as pessoas estavam: um ex-amor para o qual ficou devendo algumas sílabas, umas piscadas de “você tinha razão”, uma fresta de possibilidade de amizade e sorrisos de bem querer; uma amiga da qual se afastou pelo pudor de não ter feito a escolha de Sofia como ela: ter casado e tido filhos; um avô cheio de conteúdo com o qual gostaria de ter aprendido xadrez e do qual adoraria ter recebido grandes obras da literatura debaixo do travesseiro.

A corrida tem fim quando a menina paga uma entrada de cinema para poder ouvir o que bate lá dentro. No filme, dois desconhecidos descobrem a morte próxima e resolvem ajudar desinteressadamente um ao outro, sabendo que nunca é tarde para se aprender a soletrar afeto e soletram-no das formas mais sortidas: um financia um tour no mundo ao lado do outro. O outro martela na cabeça desse um que ele não pode morrer sem fazer as pazes com sua filha. Cada um do seu jeito dizendo “eu te amo” sem emitir um só som.

O peito da moça troca o fone dos bytes da música eletrônica da corrida pela sinfonia calma de lágrimas frescas que molham terreno fértil da alma. Será tarde para não correr dessas dez pessoas?

Já que um “eu te amo” explícito não vem tão fácil, e uma música pode ser cantada em várias versões, a moça soletra amor do jeito que dá. Ela pega o telefone dá dez ligações e deixa o seguinte recado: “deu vontade de dizer o que você é pra mim. Será que você pode assistir ao filme que acabei de ver?”

As pessoas vão ao cinema e, pasmem, deixam cair as mesmas lágrimas, na mesma cena, sem se darem conta disso. Saem da sala, lembram da moça com um sorriso no canto da boca e continuam suas vidas.

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Tocada

Estava quebrando a cabeça para escrever uma crônica de aniversário para uma amiga, quando me veio que a chave da porta que a gente passa horas procurando, normalmente está no bolso; os óculos perdidos, em cima da cabeça, piada que se explica muito, complica e perde a graça. A crônica estava nela. Era só ir lá e colher palavras-sementes.

O tema veio na forma de um educado pedido de desculpa, por não ter certeza se gostaria de passar as vinte quatro horas do dia que sua mãe escolheu de bota-la pra respirar, na companhia de amigos como eu.

Não ter certeza se gostaria de passar aniversário com amigos como eu. A neurose minha de cada dia já quis se manifestar. Ainda bem que eu tive um bom professor de Português que logo falaria: “cuidado com as interpretações ao pé da letra.”

E como um bom filme é aquele que nos faz de idiota, quando percebemos que não sabíamos do final, ela faz a mesma coisa, que venha a surpresa: “é que eu queria me dar de presente um bom papo com um cara cheio de espiritualidade e meu filho.”

Era a frase que faltava para começara interpretação do texto. É que a vida apressada nos causa intrigas com essa mania de querer interpretar palavra por palavra. A gente acaba deixando para interpretar sentido em inglês.

Alguns no afeto são mexicanos e se jogam em lágrimas para confessar o amor. Outros, mais alemães, mostram sensibilidade compondo sinfonias e conseguem vínculo arrancando nossas lágrimas delicadas e tímidas, no meio de um grande teatro. E por que não se dar de presente de aniversário uma declaração de amor ao filho?

Não sei se esse encontro acontecerá, mas a intenção da cena me comove. É de uma liberdade descobrir que quem dá o principal presente de aniversário é o próprio aniversariante , quando descobre que o que o faria mais naquele momento está na sua essência, faz parte de si. Bom saber que resta um vestígio do cordão umbilical que o doutor obstetra fingiu não ver e deixa lá.

Seu filho talvez seja seu melhor quadro, sua melhor tela pintada. E por mais concreto que seja, seu amor o torna sempre abstrato de tão infinito que é o afeto. Lembrei um aniversário de uma conhecida que resolveu pagar a conta do jantar para o qual pinçou apenas duas grandes e boas amigas. Aparentemente seriamos invadidos por um sentimento social supérfluo de solidão. Um eco interno inicial: “coitada, só duas pessoas batendo palmas para que ela sopre as velinhas”. Como boa prova de português, esperemos ao final do texto para construção do sentido:” muito obrigada pela presença de vocês duas. O
presente é meu, eu quero pagar esse jantar, pelo presente que me dei de duas companhias que sabem exatamente quem eu sou”.

Bato palmas a essas duas mulheres que escolheram o melhor presente do aniversário: o direito de se sentirem amadas pela base. Trocar o claque alto de palmas de uma multidão pelo silêncio de um ou dois olhos piscando ou um feto que saiu de dentro como sua melhor obra de arte.

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Dois em Um

Texto sobre aquarianos e texto sobre o João Guilherme Estrella. Imprimam e leiam no banheiro. É otimo.

Gi

Povo do ar

Se você pergunta a um aquariano se está tudo bem o que ele te responde? Pode ser algo parecido com “ai, sabe, não sei. Estou meio assim, assim. Sabe meio esquisito?” Alguém aqui ouviu “meio esquisito”? E desde quando aquariano é meio esquisito. Meio esquisito é coisa de gente que vive no Planeta Terra. Terra? Que diabo é isso? Esse povo que inventou de estrear em fevereiro, começo de março atende no endereço Avenida Mundo da Lua. Ê criatura para gostar de uma viagem. Viagem que daqui a um tempo todo mundo vai achar ótima, mas só daqui a um tempo. Mania de viver do amanhã. Essa gente sofre pra esperar o tempo desses homens normais que cismam de viver um dia de cada vez. Que saco! Como é que eles ainda não sacaram o que vai acontecer! Melhor parar por aqui antes que acabe em porrada. Se tem uma coisa que aquariano faz questão de ter em dia é seu ciclo de amizade. Pode ficar atingido com uma notícia no jornal e dizer que não tem tempo de pagar a conta de gás, mas experimenta ligar as três da matina com uma sacola de problemas pra ver se ele não vai te ouvir. O ouvido não te basta? Quer um colo? Trabalho nenhum, já está previsto na cartilha do signo. Ele dá um pulo aí. Por falar em pulo, falou em novidade esse povo não se agüenta. Se a companhia é boa, cheia de coisa interessante eles falam que vão dar um pulinho logo ali . É logo ali. Está certo, o logo ali pode demorar umas horas, talvez um dia todo. O papo está bom, mas vamos ao que interessa, a pergunta que não quer calar: aquariano é bom de cama? Alguém aqui se habilita a responder? Sejamos modestos e deixemos a fama pro escorpião. Vamos nos contentar com o bom de festa. E alguém já viu aquariano que negue uma. Aumenta o som aí, por favor. Vamos nos divertir!

Sementes

Por que o garoto vendeu a vaquinha da mãe em troca de sementes de feijão?

Se você acha que “João e o pé de feijão” é historinha para criança dormir, tens imaginação de perna curta.

João trocou a vaquinha que pertencia à mãe por um saco de feijão que deu um pé capaz de arranhar o céu. Subiu com olho de menino que não sabe que de bicicleta se pode cair; como trapezista tomado pelo instante do pulo ou malandro embebido de samba, antes da quarta-feira de cinzas.

A graça pode morrer quando a canção terminar, quando a brincadeira acabar ou o poema pôr seu ponto final.

Talvez João Guilherme Estrella nem conhecesse essa historinha, quando escalou o pé de feijão da cocaína, lá se deslumbrou com a riqueza do gigante, sem saber que a aventura tinha preço.

O desejo da travessia regada à festas e o bem bom faziam chuva de coragem pra escalar no caminho de ida. A volta era o amanhã. E a noite, ninguém pensa a hora que vai acordar.

O futuro era da ordem do dia seguinte. Prazer é tempêro que se come hoje. Amanhã pode estar vencido.

O tempero venceu, João pagou o preço de quem não sabia desenhar a cara da liberdade que tinha nas mãos.

Liberdade… tema livre de redação sempre foi mais difícil. Melhor uma direção para a gente seguir.

No meio do caminho das pedras, João lembrou que dentro dele tinha um menino, ao avistar a mãe, no dia de seu julgamento. Resolveu, portanto, brincar de contar a verdade. Verdade que tirou água de pedra, quando quebrou a mão de ferro da juíza, que lhe enviou um cartão de Natal prescrevendo uma dose da escritora Marguerite Youcenar: “O dia do nosso nascimento é quando lançamos um olhar inteligente sobre nós mesmos”.

Deu vontade de querer aprender a desenhar a tal da liberdade com olho, nariz e boca, como todo mundo se vê. Talvez plantar um pé de feijão que demorasse mais tempo para crescer, mas que não sumisse de vista em segundos, como fazem os algodões doces no céu da boca.

Seu nariz agora pedia fragrância de lucidez. Ver o sol sem grades podia dar barato.

Uma pequena homenagem ao meu amigo João Guilherme Estrella que deixa a gente se sentir mais humano com seu erro mixado a vontade de acertar. E tem acertado. Sua história está nos melhores cinemas.

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Ninguém inventa de marcar compromisso para terça-feira dia 12! A certidão de nascimento consta dia 13, mas, pra ser diferente, vou soprar velinhas e ficar mais velhinha no dia 12. Te espero no Bar do Belmiro. Anota, anda! Rua Conde de Irajá, 503 (esquina c/ Visconde de Caravelas), em Botafogo. Vou pegar mesa a partir de sete. Meia noite os bebuns tem que sair. Encerram os trabalhos alcoólicos. Teremos a orquestra lunar: só muié na banda, baquetas, percussa, viola. Dia 12, hein!

Ah, assinado: Gisela Gold

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Reparar

Deve de ser um desses truques que a gente guarda no bolso, quando o bichinho do “ops, volta aqui, vai embora não” pega na garganta. É se saber com vontade de desistir de passar a terceira e, porque não, dar marcha a ré no olhar. Trocar o novo pelo novamente. Reparar é brincar de fazer dicionário e colocar a palavra “acerto” depois de “erro”. É dar casa ao prego órfão, abandonado em caixa que tinha quatro. É tentar encaixar a velha agulha na vitrola e se o velho chiado não quiser aparecer, tentar cantar no gogó. É querer rever o um ao invés de partir para o seriado. E se o tempo escangalhar essa chance, a gente tenta; que reparação é coisa de desejo. Agora, se não tiver jeito de encontrar aquele tijolo pra reconstruir aquela casa, o eco do querer revê-la em salto alto, dona de si, se for honesto, sem colarinho, bem tirado vale. A vida vira colo de pai que sempre perdoa quem tem olho bom. A vontade de reconstrução, de dar quilate ao castelinho de areia que ela destruiu com pata de elefante numa hora em que o ponteiro marcava hora de mágoa, rejeição ou falta de apetite ganha crachá de piscada de olho que diz no microfone do tempo que está tudo bem, zero a zero, o liquid paper estava no prazo de validade. Agora ela pode passar a primeira.

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Sentido

De novo o laço do sapato. Nó mal feito cai e a gente espera tropeçar pra fazer direito. A mãe tentou ensina-la. Ela tinha pressa. Ensaiou o seu, mas cismou de pegar carona no laço do outro. Quando via não tinha passado o dedo certo no cadarço. Sempre frouxo. Dava tempo não, ia atrasar a corrida. Nunca pensou em caminhar. Quem anda devagar tem tempo pra escrever melhor a própria partitura. E saber de próprio ouvido quando a vida desafina. Liberdade boa saber seu melhor tom só de ouvido da alma. Menina tola. Se ela soubesse o trabalho que dá cada vez que entorta a imaginação para seduzir por um caldinho de carinho. Ô, moça, e desde quando teu estômago se aquieta com meia dúzia de declaração de amor de bolso. Amor camisinha descartável. Amor sem brevê pra viagem futura. Alguém avisa pra mocinha que beijinho é melhor comer de côco e amassos o ferro tira no dia seguinte. Ilusão do abraço eterno se esvai feito pó de pirlimpimpim se a moça não souber exatamente o que quer dali. Olhares da madrugada acordam vazios como lentes de contato descartáveis. Lençol do dia seguinte pode amanhecer arrumado demais. Que essa gente sem vontade de fazer promessa pode não querer saber do amanhã ao seu lado. Pode escrever poema com boniteza que quer sempre dizer a mesma coisa: se cuida, viu, que cada um vá atrás do pombo correio da sua paz. Ninguém vive pra você não, ô, Mariazinha. É isso mesmo, “Maria”, que você fica muito pequenininha, quando esquece de escrevinhar seu desejo pra ficar de gênio da lâmpada dos outros. Pára e aprende a dar amarra mais segura no sapato. É assim no amor. Quem quer voar precisa se sentir seguro. E quando estiver bem segura pode começar a sonhar. Sonha direito. Sonha do teu tamanho. Com jeito de gente grande. Jeito de gente que já sabe passar o cadarço no lugar certo e fazer vínculo bem apertado. Vai que você sonha de asa delta. E descobre o que quer. Só não se assusta se o salto for grande, o sapato não desamarrar. Vai que aparece aí do ventre um dedo menor que o seu pedindo o dedo emprestado pra amarrar o sapato. Nó pode ser coisa que dura. E paz pode ter conjugação no plural. Saudade do coronel que perguntava ao jagunço que de sua filha se aproximava: “qual é sua intenção com minha menina?” Bom se saber menina numa hora dessas.

Uma ano cheio de bons sentidos pra vocês.

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