Aquela senhora que há muito trajava vestimenta carregada em tons de erudição, disse-lhe “escuta aqui, filhota, você não me entendeu. Não é esse tipo de livro que estou procurando”.
Poderia colocar sapato velho e repetir o bordão: “ desculpe senhora, mas, infelizmente, não temos o livro que a senhora procura”.
Como nenhum dia se soletra como o outro, a empregada do estabelecimento, de súbito, rabisca fala nova e experimenta vestido inédito: “eu não entendo de tudo que vendo, mas posso entender um pouquinho, se a senhora falar sobre o assunto, quem sabe a senhora não me ajuda a ajudá-la?”
Tomada de surpresa, a renomada acadêmica pinça roupa do armário que acreditava ter doado, com tom discreto de humildade: “olha, minha filha, talvez você possa me ajudar, venha aqui aprender um pouquinho sobre o que estou procurando.”
E por lá desaguou água muito nova nos rumos daquelas mulheres. Toda visita à livraria, a moça assobiava antes de partir para o catálogo dos livros “a senhora anda bem de saúde?” Realmente, não consta nos grandes livros de técnicas de venda essa pergunta. Engraçado…
Em visita mais recente ao estabelecimento, pegou-se cometendo emoção diante daquela mulher que começara a esquecer a arrogância em casa. Aos livros remeteu olhar perdido: “preciso de uma acompanhante e não é pela minha artrose, preciso conversar com alguém, ando muito sozinha”.
A moça sentiu a garganta árida como quem reconhece hipótese de dar essa deixa daqui a uns bons trinta anos.
Sem questionar se poderia acrescentar fala inédita,a jovem não pestanejou: “a senhora está é muito viva. Tem muita gente sabendo muito pouco e querendo mais. Um mais que a senhora tem. Bom é o professor que entende que o mundo do conhecimento é mais viril se não flerta com a vaidade de manter-se em cárcere privado. O saber, quando passeia pelas ruas e visita outras pessoas faz de seu dono um homem feliz. Bole um ciclo de palestras. A senhora está muito é viva pra se fazer de morta antes do tempo e…”
Parece que outros clientes pediam ajuda no recinto. Não existia mais espaço para o final da peça.
O computador do estabelecimento só entendia um único desfecho: “nenhum movimento no caixa. Venda não efetuada”.
As duas se afastam, esquecem suas falas e numa fresta, no vidro, a garota avista um piscar de olhos de quem ouve em silêncio “muito obrigada, vou tentar”.
Ótimo!!!!!